domingo, 25 de março de 2012

A Lenda do Mão-Pelada


Mais um texto que foi pra aula, com o lendário prof. Barão de Münchhausen... Desta vez o tema era criação de uma lenda.




Mão-Pelada


Ele andava temeroso pelo mato, só. Havia se perdido do seu amigo há algum tempo, e já anoitecera. A barraca e os itens básicos para montar o acampamento ficaram com ele. Estava sem nada. Sozinho no escuro. Empunhava um machado velho, meio cego pelo tempo, enquanto procurava pelo amigo. Não ousou gritar pelo seu nome, pois tinha a lembrança das histórias locais ainda frescas na memória. Um velho contara um pouco das histórias um pouco antes de adentrarem o mato, jurando que iam se cuidar.

Perto do local estipulado para passarem a noite, solta a mochila a fim de verificar o terreno. Lembrara que trazia consigo um velho zippo meio enferrujado que, embora não fumasse, usava para tentar impressionar as meninas. Devia funcionar ainda. Um clique. Dois. Nada. No terceiro, o resquício de querosene se incendeia, iluminando um pouco o local. Ele ouve um barulho em um arbusto próximo. Quando se vira em direção ao som, não enxerga absolutamente nada, pois seus olhos estavam cegos pela iluminação tremula da chama do velho isqueiro. O querosene acaba. Suando frio, guarda vagarosamente o isqueiro e pega o machado que jazia perto do seu pé direito. Aproxima-se do arbusto, quando, de repente, salta alguma coisa pra cima dele.

"Buuuuu!" Era seu amigo perdido, saindo da moita. Ele só teve tempo de cair para trás, pálido com o susto. Ele nem chegou a ouvir o clássico grito para assustar, a tensão fora suficiente para deixá-lo meio perdido. Quando se recupera, vê seu amigo ao lado, rindo da situação como se fosse a coisa mais engraçada do mundo.

- Quer morrer meu? Não viu que eu tava com o machado na mão? E se eu te acertasse?

O amigo segura um pouco as risadas e diz:

- Que morrer o quê! Vamos ter sorte se esse machado conseguir cortar a lenha.

Ele se acalma. O amigo continua.

- Não era óbvio que era eu? Você pensou que fosse o quê? A coisa da história?

Ele não responde. O amigo segue.

- Você é um medroso, isso sim!

- Não sou não! Mas é que o Velho...

- ...era um bêbado qualquer. - O amigo completa a frase dele.

- Mas tu não viste o sinal lá atrás na trilha? É como ele disse!

- Não vi nada. Eu nem prestei atenção na história do bebum. Tava pensando é nas cachoeiras que vamos encontrar amanhã.

Começam a arrumar o acampamento, ajeitando a lenha para fogueira e a montar a barraca.

- De qualquer forma, o que foi que te lembrou a história dele, seja ela qual for?

- Ele me contou que:

"Viviam nesta região nos anos 40 imigrantes alemães e italianos, que, por causa da guerra, foram proibidos de falar suas línguas em público. A desconfiança de que fossem espiões aumentava a cada dia, até que a situação ficou insuportável. As pessoas se recusavam a vender coisas para os descendentes, não compravam seus produtos, os xingavam. Pouco a pouco começaram a se mudar. Mas nessa mesma época, havia um casal. Um alemão e uma menina da região. Dizem que era indígena, cigana, ou algo assim. Eles se amavam muito e não davam importância para o que acontecia, até que resolveram se casar.

No dia do casamento, pessoas que não estavam contentes com a permanência do alemão por ali invadiram o casório, com tochas e foices nas mãos. Parece que ele conseguiu fugir para o mato, levando ela arrastada, vestida de noiva e tudo mais. Aparentemente ela queria ficar para conversar, mas deu tudo errado. No meio da fuga ela cai no chão, mas antes que ele a alcance os habitantes da cidade chegam primeiro. Eles nem a ouvem e começam a bater nela. Ela grita para que ele vá embora, e relutante, ele o faz. Ela apanha muito, e mesmo estando ferida, consegue escapar dos seus algozes.

Enquanto isso, ele segue até uma base militar alemã abandonada e busca um rifle. Ao retornar se depara com sua noiva lutando pela sua vida contra um gato do mato. Já desesperado pela situação toda, ele atira. Acerta o gato, matando-o. Só que não percebe que o tiro também acertara sua noiva, que cai no chão, morta. Nesse meio tempo o pessoal da cidade chega. Cego pela raiva, abre fogo contra o povo, matando muitas pessoas. Mesmo assim, uns poucos corajosos aproveitaram o tempo em que o alemão municiava novamente seu rifle para atacá-lo. Morreu degolado.

Dizem que seus corpos foram enterrados lá mesmo e sabe-se lá por que motivo, o espírito dela se fundiu com a do gato. Desde então a região é assombrada por ela. Já sumiram muitas pessoas e as poucas que voltam juram ter ouvido um miado meio esquisito, que muda para uma voz de mulher agonizando. Alguns dizem que viram a própria noiva circulando pelo mato, coberta de sangue e com cara e garras de gato. Tipo um lobisomem, só que de gato e de mulher. Pelos por todo o corpo, exceto na mão. Ficou conhecida como Mão-Pelada, que é o apelido do mesmo gato do mato da região. Ninguém sabe se quer vingança, se quer proteger o local dos corpos ou o que realmente quer. O certo é que quase ninguém mais entra lá há uns bons 30 anos, quando sumiu o último."

O amigo, com cara de incrédulo, segue o diálogo enquanto finaliza a fogueira.

- Cara, como é que ia ter uma Base Nazi no Brasil e ninguém ia saber?

- Ele disse que o avô dele ouviu essa história de um primo de um vizinho de um amigo dele.

- E você acreditou nessa bobagem toda mesmo assim? Só você mesmo!

- E eu encontrei isto lá na trilha.

Ele atira para o amigo um cartucho vazio. Os dois eram fãs de armas e infelizmente reconheceram a munição. Era o cartucho vazio de um rifle de assalto alemão, o Mauser Kar98k. Já haviam visto diversas vezes em revistas do gênero. O amigo fica quieto.

- Olhe ali!

Eles se viram para uma das entradas da trilha, notando um pequeno poste de cerca de 50 cm de altura, com "Militärstützpunkt 20 km" escrito nele.

- Aquilo não é uma suástica?

Um barulho na parte descampada do local chama a atenção deles para o outro lado. Galhos quebrando. Um vulto pode ser visto contra a luz da lua. As espinhas gelam. Um grito feminino agudo cortao ar...

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